Dentre minhas últimas incursões cinéfilas, está "Tetro", obra de Francis Ford Coppola... (antes de prosseguir, saiba que este texto revela trechos do filme!).
Filme excelente, filmagem e fotografias magistrais... jogos de luzes e cores dão uma ambientação inversa e de perspectiva interessante... Coppola novamente mergulha nos laços parentais e na força das personalidades parentais .. que ganham destaque nesta obra que mistura suspense, drama e reviravoltas (quase) inesperadas...
Aos familiarizados ao universo "psi" ou às leituras psicanalíticas, há um convite tentador nesta película... com muito material a ser explorado, discutido e "recortado" por tal viés...
O filme desenrola-se quase que atemporalmente em Buenos Aires... num ambiente ambivalente, entre a expressão cultural da "latinidade" e um certo "soturnismo" (Tetro/Tétrico) ...
Num cenário quase pacato (oposto a Buenos Aires densa e sombria protagonizada por Ricardo Darín em "Abutres"), o "irmão" (Bennie - Alden Ehrenreich) re-surge na vida do escritor Ângelo Tetroccini (Vincent Gallo), e traz consigo todo o tormento, outrora recalcado, negado e esquecido... Cuja atuação fantástica e temperamental (ou seria ciclotímica :D ?) de Gallo nos transporta a um universo conflituoso e paradoxal...
Ângelo, já não responde mais como "Ângelo", mas apenas por uma cifra do sobrenome potente do Grande Maestro Carlos Tetroccini (que dá o título ao filme)... a figura paterna eleva-se e revela, aos poucos, sua marca, e as cicatrizes profundas e aterradoras deixadas ao longo de gerações... Coppola exacerba e joga luz sobre relações silenciosas, conflituosas e para lá de edipianas (com todos os percalços inerentes...)...
Carlos Tetroccini não é apenas um nome opressor... é também fala e marca imposta disto, reafirmada com dizeres como "nesta família só há lugar para um gênio”, algo que castra, limita e sufoca ("bloqueia criativamente")... porém, Ângelo opta por ser "Tetro", não "Ângelo" ou "Tetrocini". Eis uma tentativa de legitimar a própria marca e desejo...
Paralelos orquestrados e metafóricos são conduzidos junto à sombria peça de Arthur Saint-Léon, Coppélia (inspirado em conto de E. T. Hoffmann) que ilustra e intercala-se com outras produções e óperas dando tom poético e dramático às passagens densas e intensas das disputas amorosas entre pai e filho, arrebatando e dilacerando as mulheres desta intrigante narrativa...
Tetro é fascinante, complexo, cativante e forte... talvez todos nós tenhamos, assim como (em) Tetro, nos haver com nossos fantasmas para finalmente libertarnos...
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