(ALERTA: esse textículo revela trechos do filme!!!)
Sylvain Chomet ressuscita o roteiro de Jacques Tati com elegância, dignidade e sensibilidade... não conheço o original, mas dizem que o coelho "marrudo" era uma galinha!
Trata-se, em linhas gerais, da história de um "l'illusionniste" (ilusionista) francês que busca oportunidades em outros locais além das fronteiras de sua terra natal (dada as dificuldades crescentes de manter tal "arte" como meio de vida)... nestas andanças, depara-se com uma jovem que o comove... e, apesar de seus poucos recursos, resolve presenteá-la com um par de calçados... gesto este que dará o tom do restante da trama... a jovem passa a fazer parte da jornada de nosso protagonista.
"O mágico", traz, logo em suas primeiras cenas, pinceladas melancólicas de tempos em que a arte singela dos shows de variedades surpreendiam, em que gestos bem articulados eram arte a ser apreciada... e a sua decadência e troca por prazeres mais cinestésicos-materialistas que ofuscam qualquer coisa menos "instintiva".
(Talvez seja alucinação dessa que vos dirige a palavra, porém, diria que é quase uma crítica dos tempos franco-anti-britânicos - frise-se que se trata de um roteiro da França dos anos 50!... num paralelo cru: seria algo como "Invasões bárbaras" de Denys Arcand).
Poderíamos até mesmo fazer um paralelo entre a trama que transcorre de forma suave e singela (poucos diálogos, paisagem bucólica e cinestesia quase naturalista), tal qual o show de mágica, em contraponto às animações da atualidade (cheias de efeitos visuais, explosões, diálogos inflamados, cheios de movimentos e ação)... [hoje em dia temos muito som, luzes, cores e efeitos... mas estamos desprovidos da suavidade da magia de outrora...].
Há um balanço entre nos fazer sorrir (com suavidade e delicadeza - esqueça esta animação se você procura fortes emoções, fortes risos - gargalhadas e choros convulsivos não fazem parte deste "show"... aqui, tudo transcorre de forma delicada!) e sensibilizar-nos com pequenos recortes de magia, inocência e ilusão...
E a perda gradual das mesmas... (com a precipitação dos companheiros de "profissão" diante da finitude inevitável (?) - lançando-os a situações cada vez mais degradantes) - sendo engolidas por dores existenciais igualmente densas e dolorosas... (o envelhecimento, o esquecimento, os vícios e a precipitação da morte...).
Algumas cenas são realmente marcantes e inegualáveis pela sua estética e metáfora sobre o rompimento definitivo com a inocência... (aos que assistiram... eu consideraria a cena do coelho no planalto sob a chuva como uma das expressões mais fortes de rompimento)... é atordoantemente bela e sensível...
Alguns trechos do filme sugerem uma tentativa de resgatar "algo" perdido... quase uma espécie de redenção... nas cenas finais isso parece bastante evidente... há quem diga que há traços auto-biográficos, provavelmente há... (dado o trajeto-percurso de Tati)...
Considero esta animação uma aquarela pincelada com a alma em movimento... movimento de resgate, redenção e magia... um fechamento, uma resolução poética para os dramas humanos ordinários.
Um grande abraço melancólico... sem flores ou coelhos saindo da cartola.
(...as criaturas mais tristes que conheci, foram aquelas dedicadas a nos fazer sorrir...)
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