domingo, 6 de março de 2011

Um lugar qualquer (Somewhere) - Sofia Coppola



ATENÇÃO: ESTE TEXTO REVELA TRECHOS DO FILME

"Um lugar qualquer" (Somewhere - the movie), produção de alguém que carrega no nome, uma marca que poderia ofuscá-la, mas não é o que se vê: Sofia Coppola tem conduzido suas películas com destreza, sensibilidade e autenticidade... revelando sua marca e estilo próprio, vide o premiado "Encontros e desencontros" (Lost in Translation - 2003).

Mas cá entre nós, as películas de Sofia não são "arroz com feijão", pelo contrário, apresentam uma pitada exótica, muito pessoal e subjetiva... o que faz com que não seja unanimidade de "gostamento": não seria a primeira vez que compartilho opinões díspares em relação aos dos meus companheiros de filme... muitos saíram com a sensação de vazio, que "algo" faltou... seja um final "definitivo", uma sensação mais forte, um "coup de grâce" ou qualquer coisa que feche e complete o filme...

Mas para mim, na minha opinião leiga, diria que Sofia ganha, exatamente, por deixar em aberto, para que os "assistentes" (aqueles que assistem - no sentido de ver e no de auxiliar) complementem com seus próprios fragmentos subjetivos, lacunas tão humanas que permeiam suas obras.

Considerando que a proposta aqui não é apenas um apanhado de sinopses, pelo contrário, é um pout-pourri bastante pessoal e voltado egoísticamente para ser uma espécie de repositório de lembranças e impressões gerais - que hora varia de uma leitura rápida que, de fato, aproxima-se de sinopses vagabundas de folhetim... em outros momentos propõe se a pseudo-análises psico-enviesadas...

Bom, depois da "leve" digressão, voltemos ao filme... Sofia Coppola consegue, de forma magistral, transmitir e de certa forma incluir o público em sua película... na medida em que força no telespectador a sensação de vazio desesperador-apático que acomete o protagonista... Tal protagonista - Johnny Marco (Stephen Dorff)  teria uma vida de dar inveja a massas inteiras em nossa sociedade do espetáculo: um ator de sucesso, jovem, bonito (cabe ressaltar que há controvérsias, rsrs), no auge de sua carreira... que é assediado pelas mais belas e cobiçadas mulheres de seu círculo...

Apesar de ter "tudo", a apatia, o descolamento e o deslocamento em relação a toda aquela "curtição e glamour" é preponderante em sua vida... o que nos é revelado nos primeiros e (enfastiantes) minutos do filme... um carro esportivo (mais especificamente um porsche negro) correndo, revelando o seu potente motor (velocidade, potência, poder, predicados supostos de tal máquina) - dá voltas, repetidamente... entediadamente... a repetição monótona do que deveria ser "emoção pura" é um paradoxo que permeia todo o filme... dá e reforça a sensação do vazio penoso... (conduzidos sob uma trilha sonora excelente - outra característica que aprecio muito dos filmes de Sofia).

A vida mecânica de pseudo-prazeres, destinados a sufocar o tempo que não passa, é quebrada com a aparição quase súbita de sua filha, que embora jovem, já conhece a obscura face do vazio e da solidão que parece acometer a todos... Aos poucos, a surpresa que poderia sugerir uma perda de liberdade (impossibilidade das "transas" casuais - sugeridas de forma direta, mas conduzidas de forma suave - como tudo nas películas sofianas), na verdade, revela o oposto, a possibilidade de escolha... de uma vida repleta de movimento (suave e sutil, em contraposição ao motor potente do porsche ou das perfomances sexuais supostamente avassaladoras), autenticidade e momentos de alegria simples...

A magia de cada pequeno momento é revelado de forma poética e quase subliminar... Johnny Marco sorri, se diverte, pode ser espontâneo e de fato, ser alguém.... Tenta-se adiar e curtir o máximo tempo possível do momento idílico que esse encontro inesperado trouxe... porém, por motivos desconhecidos, a filha deverá partir para uma espécie de colônia de férias, pois a mãe "precisa de um tempo"... e o pai... bem... "nunca está presente" (nas palavras da filha). Assim, os dois se despedem abaixo dos motores ruidosos de um helicóptero, que impedem que a menina ouça o quanto o pai está arrependido, mas nada muda... cada um segue o seu rumo...

Assim a história é conduzida e entregue ao "assistente" para que ele o complete a partir de uma lacuna primordial que é deixada na cena final... Mais uma vez, Sofia surpreende e nos dá espaço  para uma leitura da pós-modernidade agitada, veloz, tecnológica, colorida, sonora, mas vazia e assoladora internamente... não há exageros, pais que mal-tratam filhos, atores e atrizes drogados e inconseqüentes... não, não se trata de criticar a futilidade dos "ricos e famosos" ou coisa do gênero... pelo menos, não foi essa a minha leitura... creio que a filme toca em algo mais fundamental e compartilhado por todos os humanos... independente de sua classe social ou profissão.

Creio tratar-se, antes de mais nada, do questionamento existencial, do isolamento, da solidão, da perda de parâmetros em nossa contemporaneidade... não sei ao certo, mas esse filme remeteu-me ao livro "O tempo e o cão - a atualidade das depressões" (Maria Rita Kehl), que trata de maneira erudita, poética e sensível, das depressões - ao mesmo tempo como forma de subjetivação e sintoma social (lugar anteriormente ocupado pela melancolia dos romanticos, pelas histerias dos tempos vitorianos...)...

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