Os loucos, desajustados, os marginalizados, geralmente trazem desconforto ao homem mediano comum... pois incita e traz no corpo próprio todas as questões e marcas que a etiqueta e as normas de boa educação fazem questão de deixar restritas e resguardadas em cantos estratégicos, bem demarcadas, circunscritas (por exemplo, à uma pseudo-discussão acalorada de mostras de intelectualidade militante e engajada numa mesa de bar, entre amigos... apenas com fins de apreciação antropológica) e de preferência bem distantes da vista.
A loucura certamente é um desses tópicos que permeiam as conversas inteligentes de gente culta, bem informada e "in"... mas é claro, ela deve estar circunscrita e ser apreciada como um item de uma experiência etnográfica.... Mas o que dizer da depressão? Do pânico? Da bulimia? que entra pela porta dos fundos e não respeita a sofisticação intelectual? ou que nem dão o ar glamuroso de eventual "loucura criativa"?
Dizem que a depressão da atualidade é herdeira da melancolia do passado... não por similaridade ou origem bioquímica correlacionadas, mas antes como protesto social - uma espécie de sintoma e grito de revolta à espetacularização despersonalizante dos tempos pós-modernos.
Mas diferentemente da melancolia, que fora considerda em seus dois expoentes, como fraqueza moral (acedia - tão combatida nos tempos de São Tomás de Aquino) e também uma espécie de loucura-criativa-genial...
a depressão da atualidade ganha espaços e proporções que vão de uma assombração a ser combatida com bastante sucesso pelos diversos psicotrópicos... até a completa desresponsabilização e desvinculação do sujeito que a porta... isto é... atualmente, a depressão passou a ser uma entidade clínica, um rótulo (no espectro dos transtornos afetivos temos no CID-10: F32.X - Episódio depressivo, F33.X - Transtorno depressivo recorrente ou no DSM-IV: 296.X - Depressão Maior - que é claro, ajuda muito a nortear eixos de tratamento, abordagens, prognóstico, etc), um distúrbio neuroquímico... alguns especialistas a aproximam do diabetes (acerca da necessidade de controle medicamentoso constante e talvez para a vida toda...)... sem questionar os "gatilhos", motivações, entre outros...
Melancolia I (ou Melencolia I), de Albrecht Dürer (renascentista alemão) - quadro carregado de simbologias acerca da melancolia: uma entidade para além dos limites do tangível, da loucura e da genialidade. |
Nesse turbilhão de sucessos psicofarmacólogicos... nota-se que a matéria também se rebela e pára de responder aos antidepressivos... diversos são os casos que, sem qualquer indício, mudança drástica, simplesmente, cessam, de uma hora para outra de funcionar... a matéria cinzenta do cérebro torna-se tão inerte quanto o humor previamente depressivo, impassível às estimulações externas...
De modo que, muitos dos afetados pela depressão deparam-se com a necessidade de encarar uma nova maratona de testes de medicações e doses que os coloquem novamente no estado de "dor minimamente viável", compatível com o nível de felicidade e produtividade mínima cobrada pela sociedade - diga-se de passagem, cada vez mais faminta por indivíduos felizes, produtivos, bonitos, jovens, etc, etc (coloque -se aqui, quaisquer adjetivos relacionados a um imaginário hiper-brilhoso e espetacular!!!).
Neste sentido, dar voz ao portador do sintoma (do grito) parece ser uma via interessante de iniciar uma escuta receptiva e quem sabe, arejar campo tão discutido (mas paradoxalmente tão silenciado - seja através do preconceito, da medicalização, e da morte do portador do ruído de horror, entre outros)...
Assim, a palavra pode ser uma via (ainda que supostamente antiquada - tão intensamente utilizada pelos melancólicos, através de suas provocativas poesias - vide Baudelaire, e sugerida pouco eficaz diante da parafernália química), uma forma de mitigar e discutir a morte... e não atuá-la (mesmo no Brasil, país considerado até hoje bastante agraciado por níveis invejáveis de felicidade e de espontaneidade, a despeito dos diversos problemas de ordem sócio-econômica - tem se sobressaído com o aumento dos índices de suícídio - principalmente nas grandes metrópoles).
Neste sentido, a palavra seria um antídoto para a morte inevitável... real, imaginária ou simbólica.
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