domingo, 3 de abril de 2011

Em um mundo melhor (Susanne Bier)

ATENÇÃO: ESTE TEXTO REVELA TRECHOS DO FILME!!!



A nova película de Susanne Bier, produção dinamarquesa, "Em um mundo melhor" (In a better world/Haevnen - desculpem, não tenho o caractere especial :S) tenta abarcar uma grande diversidade de temas, todos atuais e pertinentes... o que certamente foi levado em conta para que se tornasse o premiado no Oscar de melhor filme estrangeiro.

A diversidade de temas é trazida à tona através das lentes esquizofrênicas que acompanham o encontro de duas famílias na sofisticada, desenvolvida e civilizada Dinarmaca... Logo de início nos deparamos com cenas do tão badalado e patologizado "bullying"... o alvo? Um "sueco" (Elias) com "cara-de-rato"... que entre solavancos e empurrões escapa... Uma testemunha (Christian) toma as dores e resolve encarar, apesar da desproporção, tanto na estatura quanto numérica, os "valentões"... o que rende desfecho inesperado... e, culmina na amizade entre Elias e Christian... 

A partir daí fica selado o paralelo das duas famílias (já previamente apresentado ao "assistente" nos cortes iniciais de apresentação supostamente despretensiosa)... Christian é recém-chegado de Londres após a morte da mãe, acompanhando o distante viúvo (pouco pode se depreender deste pai... sempre ausente e desconhecido)... Christian mostra, delimita e marca de forma contundente como impor respeito entre seus pares (afinal de contas, já mudara de escola diversas vezes...) - e é ele quem introduz este núcleo familiar no filme... 

Por outro lado, é Anton quem "abre" o seu núcleo familiar... uma das lentes percorre e atravessa o Equador para aportar no Quênia, num acampamento de refugiados... Anton é médico numa terra devastada por conflitos civis em um terra sem lei... A saudação "How are you?" proveniente das crianças miseráveis que correm atrás da camionete que conduz o médico até sua "cabana-casa" é devolvida com "presentinhos" fugazes (o mundo civilizado "caucasiano" as toca, salva vidas e traz esperanças em forma de migalhas?!)...

Anton atravessa desertos, misérias, violências para aportar num lar "civilizado e desenvolvido" na Dinamarca... Por ali, Anton tenta resgatar seu casamento que está em colapso e resguarda tempo para ir a uma reunião na escola. Tal reunião visa discurtir e atingir um consenso para a resolução do problema de Elias com os colegas (contrastantemente, Anton parece demasiado passivo diante daquele estado de coisas... por outro lado, a mãe indigna-se, quer soluções, providências, em suma, punição ao autor dos maus-tratos recorrentes ao filho).

Neste ínterim, são levantados diversas questões - talvez a "vontade" de ser tão universal num único filme tenha prejudicado o desenvolvimento dos personagens em termos de complexidade e profundidade... Voltarei a este ponto mais adiante... De qualquer forma, o filme retrata constantemente uma esquizofrenia gritante: país desenvolvido x subdesenvolvido; calor sufocante x frio nórdico; riqueza x miséria; banalização do sofrimento e da violência (mutilação de jovens adolescentes grávidas de forma absolutamente gratuita) x superestimativa da agressão (o porte de uma faca por uma criança na escola é motivo de intervenção policial, por exemplo); vida x morte; moral autônoma x heterônoma; perdão x vingança (fica preemente nas atitudes e posturas opostas dos dois garotos); as cores dos cenários dois países (claro-brilhante-quente-"poeirento" x cinzento-opaco-frio-"esterilizante"); entre outros...  

Palpito que um dos eixos que considerei de destaque nesta película... e que de certa forma faz a costura entre estes contrastes são: as violências (aqui tratada no plural, dada a diversidade, complexidade e características tão díspares dessa intrusão genericamente chamada de "violência")... seja ela retratada através do "bullying", passando pela violência da privação das condições de vida mínimas, chegando a mutilação e homicídios cometidos de forma gratuita e perversa por figuras "de certo poder" na terra sem lei... A violência permeia tudo e todos... faz confrontar e questionar quanto a aplicabilidade da máxima da não-violência, sistematicamente pregada e levantada como bandeira de Anton (que parece ser voz isolada e até patética num cenário de tantas violências) ...

Ao longo do filme, acompanhamos uma degradação que só pode ter uma resolução... o que o empurra para um desfecho previsível (o que foi confirmado pela premiação com o Oscar)... Susanne Bier que foi colega de Lars Von Trier no movimento Dogma 95 poderia ter nos dado um outro desfecho... mas este também seria previsível. O filme levanta questões interessantes e nos convida ao debate e a reflexão... a sua marca final é de suposta esperança... mas será que é isso que Susanne de fato pensa?

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