sábado, 30 de abril de 2011

Poesia - o Filme (Poetry - de Lee Chang Dong)

(!!!ESTE TEXTO REVELA TRECHOS DO FILME!!!)

(Após uma breve retirada compulsória, por motivos de força maior... resolvi tecer alguns comentários sobre o filme "Poesia". Creio que a escolha de retomar a escrita com este filme não seja ao acaso, dado a temática sobre a beleza e os reveses da vida... Mas voltando ao filme, tendo em vista que faz um tempinho que o assisti e que minha memória está bem longe de ser considerada "boa", espero conseguir transmitir, ao menos, o meu deslumbre perante tal obra de arte).



Inicialmente, a produção sul-coreana trouxe preocupação ao seu diretor e roteirista (Lee Chang Dong - ex-ministro da Cultura), que acabou afirmando que pararia de filmar, caso viesse a dar prejuízo aos investidores com sua nova película... já que este filme toca em pontos nevrálgicos da existência humana e demanda, nas palavras do diretor "uma disposição do espectador"...

Porém, contrariando as expectativas de Lee, "Poesia" foi distribuída em diversos países e ainda rendeu premiação em Cannes de melhor roteiro... não à toa, em minha singela opinião...

Detesto revelar trechos de filmes ou mesmo ler críticas e comentários antes de conferir na telona... creio que quebra o clima de suspense e descoberta (recentemente sofri grande decepção, por ler acidentalmente uma crítica que acabou revelando o "quente" do filme "Ricky", de François Ozon), mas farei um "resuminho" do filme para situar aqueles que, eventualmente, prefiram ler antes de ver... Ah, cabe lembrar que, trata-se de um filme asiático... intimista... diálogos contundentes, em voz alta, confissões dolorosas e acaloradas não fazem parte da coisa toda...
 
"Poesia" trata da história de uma Senhora que vive com seu neto adolescente... à beira do Rio Han... e que leva uma vida árdua para oferecer os confortos modernos requeridos pelo rapaz... poderíamos dizer que "Poesia" é quase um retrato antropológico do contraste entre a tradição e a modernidade... dado o conflito intergeracional... mas certamente que outros aspectos dominam a película... como o suícidio de uma garota e o envolvimento do Neto de Sra. Mija no caso.

"Poesia" é conduzida de forma bastante delicada e sutil, embora aborde temas e situações bastante perturbadoras (tais como violência, suicídio, doença, envelhecimento, solidão, abandono, esquecimento, sexualidade, morte, entre outros). A fotografia, assim como a suavidade da própria personagem, Sra. Mija - uma senhora idosa, sempre elegantemente vestida e com uma postura magnânima contrastam burtalmente com a dureza e a crueldade da vida que leva junto a seu neto - funcionam como uma espécie de metáfora sublimatória. Como assim? O delineamento do filme em si, a sua estética encerram em si mesmo uma estrutura poética... 

A contraposição de momentos de beleza tocante e por vezes comoventes (como quando se pede que os frequentadores de um curso de poesia selecionem um momento de extrema beleza em suas vidas, revela simplicidade tocante) com momentos de intensa dor e solidão nos remetem a vida como uma forma de poesia... uma tentativa de capturar através das palavras, aquilo que é indizível, aquilo que escapa e não pode ser denominado... o filme articula diversas vezes a impossibilidade de se dizer aquilo que está ali... na superfície, forçando passagem entre as emoções mais complexas e difíceis de se conciliar (o amor incondicional ao neto e a necessidade de justiça).

Um dos pontos que considerei dos mais tocantes, refere-se ao fato de que todos os demais personagens forçavam-se a esquecer, a ocultar opressivamente (através da força do capital e do seu poder corruptor) a verdade que jazia na superfície (tal qual o corpo que flutuava no rio)... e, a única que lutava contra o cruel "esquecimento" era a Sra. Mija, que acometida pelo mal de Alzheimer, lutou contra o tempo que tudo apagaria de sua mente... lutou arduamente para que pudesse cumprir e executar os desígnios de sua ética - antes que a mão apaziguadora do esquecimento removesse as marcas do ato sórdido perpetrado por seu precioso neto... Numa postura oposta, de se obrigar a lembrar, de modo que aquele ato não fosse banalizado e anistiado... que o mal não escapasse por entre os dedos do curso da vida...

É assim, desta forma, que Sra. Mija consegue, finalmente, libertar-se e num insight, produzir a sua poesia (o curto-circuito que permitiria traduzir a angústia silenciosa)...


Vale a pena conferir!!!


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