domingo, 11 de março de 2012

Melancolia (Melancholia - 2010) - Lars Von Trier

Como já discutido anteriormente, Lars Von Trier tem aparecido frequentemente sob os holofotes cinéfilos, em meio a premiações e polêmicas...

A última refere-se ao premiado "Melancholia", que rendeu o oscar de melhor atriz à Kirsten Dunst. Dizem por aí, que os demais prêmios ficaram prejudicados (inclusive a Palma de Ouro) devido à infeliz referência no qual o diretor endossaria o nazismo... Dentre deslizes, "piadas", mal-entendidos e afins, Trier continua a arrebatar cinéfilos pelo mundo.

"Melancholia" (2010) tem, segundo Trier, marcas de suas vivências melancólicas (que seria a saída da terrível depressão que o acometera tempos antes)... e segue a seqüência do processo no qual esteve imerso em "O anticristo" (Antichrist) de 2009.

As leituras e referências ao filme são diversas, as interpretações das mais esdrúxulas às mais criativas possíveis. Qualquer menção ou tentativa de esgotar tal película seria, no mínimo, uma pretensão ingenuamente "maníaca".

De qualquer forma, arriscar-me-ei a tecer uns comentários... já que não posso me conter diante de tanta provocação gerada pelo filme... (há quem diga que a melancolia estaria em algum canto, no espectro dos transtornos bipolares...).

Logo de início, o espectador é alertado sobre o desfecho inevitável (do quê? falta o objeto indireto...)... Uma fotografia impecável que se articula à sonoridade produzida pela Filarmônica de Praga nos oferece uma (quase) "dança" do universo. Tal "dança" não deixa de suscitar lembranças como a de "2001 - Uma odisséia no espaço" (1968) de Stanley Kubrick, passando por "The Wild Blue Yonder" (2005) de Werner Herzog (que não chegou exatamente a aportar no Brasil, recebendo tradução de "Do infinito azul" / "Além do infinito azul", entre outros) e interseccionando com o recente "Árvore da vida" (2011) de Terrence Malick... E tais efeitos e ênfase estética acabam por acenar e depor contra o passado "clean" de Trier no movimento Dogma 95.

Porém, nas cenas seguintes, a divisão da película em "atos", (dois, diga-se de passagem) e o tremor da câmera quase que diz "vejam só, eu ainda sigo os preceitos do Dogma 95" (quase como  quem diz, "estou em Cannes, em Hollywood, mas ainda sou do Dogma, ok?!"), mesmo que seja só para constar... já que os demais enquadres e efeitos estão beeeeem longe de serem os "sets" de naturalismo (ou "precariedade" como rotulariam alguns) de "Ondas do Destino" (Breaking the waves) (1996), por exemplo.

São dois atos que parecem propor a dualidade e a ambivalência inerente à existência e persistente ao longo de todo o filme... vida e morte, alegria e tristeza, razão e intuição, feminino e masculino, pleno e vazio, ciência e misticismo, medo e coragem, noite e dia, bom e mau, entre tantas outras possíveis de serem captadas... Tal dualidade, ao meu ver, é trabalhada e "transbordada" através dos personagens, por vezes, de forma até talvez um pouco caricatural e previsível, mas não desprezível.

Logo de início, temos os nomes das protagonistas, duas irmãs de personalidades contrastantes: seja do ponto de vista da nomeação (Justine versus Claire), físico (uma loura e outra morena), "lugar" social (uma publicitária bem sucedida / ambiciosa versus ???? mãe dedicada), "posição" na relação conjugal (uma prestes a se casar, com um homem pouco proeminente versus sustentada por marido rico), quanto às convenções e tradições (uma mais excêntrica e outra mais convencional e tradicional), entre tantas outras dicotomias possíveis.

Ainda com relação às dualidades, cito uma delas... que me foi inevitável num primeiro momento, refere-se ao nome Justine... como não pensar no Marques de Sade?! Com a sua protagonista atormentada, cínica e crítica ferrenha da sociedade hipócrita, Justine (de Filosofia na Alcova, por exemplo, tecendo lições e comentários sobre a libertinagem e do aspecto "perdido" do ser humano?)?! Certamente que se trata de uma provocação interessante... ainda mais se considerarmos o "papel" desempenhado pela irmã "Claire"... 

Essas são algumas das diversas antíteses e paradoxos suscitados ao longo da polêmica película de Trier e que não deixam de ser um convite aos pensadores e estudiosos da melancolia. A sombra do planeta que irá devastar a terra engrandece-se e avança sobre a mesma, de forma irreversível e inevitável... isso evocou-me a frase: "a sombra do objeto caiu sobre o ego"... de Freud, em seu estudo sobre o Luto e Melancolia (1917)...

Até mesmo a suposta potência presunçosa (uma das características do dito "gênio melancólico" desde os tempos antigos...) está apresentada no filme... A reviravolta de ser "nada", vazio, peso, problema, dificuldade... de Justine é transpassada e transmutada numa "força"  quase incompatível com a prostração, inibição e "estar fora de cena" do primeiro ato...

Fiquei com a impressão de que Trier andou lendo os clássicos e os contemporâneos do tema... E o "gênio melancólico hipermoderno" parece transbordar de Trier... com o uso imagético no lugar das palavras dos ultra-românticos ou dos "acometidos" do passado... Trier também se identifica com o gênio melancólico?


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