sábado, 26 de março de 2011

Vegetarianismo indiano - Gopala Hari

Bem , cá estou a produzir mais um "post" gastronômico... começo a desconfiar da propensão fortemente "orgastronômica" da coisa toda... desloquei o devorar ávido de culturas distantes (mas de realidades estranhamente familiares) com os olhos e ouvidos do cinema, para o devorar com o olfato e com a boca...

Recentemente, tive o prazer de ser apresentada a um delicioso e aconchegante restaurante lactovegeteriano indiano: o Gopala Hari. A entrada do restaurante se dá de um pequeno portão que, através de uma  escadaria curta, nos leva a pisos superiores - isto é, ele está instalado numa espécie de sobreloja/sobrado (na Rua Antônio Carlos, 429 - um cruzamento da Rua Augusta, sentido centro). Porém, existe um detalhe que poderá confundir o transeunte desavisado - como eu, na ocasião: o Gopala Hari praticamente compartilha das paredes com o seu vizinho-irmão, o Gopala Madhava (ainda não sei ao certo a história da cissiparidade do Gopala Prasada - que aparentemente deu origem - dividiu-se nesses dois).

Mas a confusão não está apenas no nome, pois o sistema de refeições, a decoração parecem seguir mais ou menos a mesma linha - o que contribui para pensar que são quase o mesmo estabelecimento... ainda terei que fazer uma visita ao vizinho para tirar a prova dos nove e descobrir, de fato, quem é quem!

Enfim, voltemos ao importante... o Gopala Hari tem uma decoração caracterizada com ares indianos... e isto se aplica também à forma de sentar-se à mesa... Além das convencionais mesas e cadeiras que poderíamos encontrar em qualquer restaurante simples... o Gopala Hari tem "mini-mesas" individuais (isto provavelmente deve ter um nome específico, mas dado o avançado da hora e do cansaço daquela que vos escreve...), acompanhadas de almofadas (sim, para sentar-se ao chão) com tapetes recobrindo o chão, tudo isso distribuído em saletas que podem propiciar um clima intimista e aconchegante para grupos de até 6 a 10 pessoas.

O cardápio é fixo, sempre com duas opções de entrada, prato principal e sobremesa por dia (funciona de segunda à sábado), sendo que o menu dos sábados é intercalado entre pares e ímpares. O preço também é fixo... é possível combinar as duas opções e experimentar tudo o que se tem direito no dia... além disso, existe também a opção "metade" voltada para os que comem menos ;) (que inclusive, saciou-me a contento e na medida certa!).

A despeito da fama de comida indiana = apimentado, o Gopala Hari surpreendeu com a leveza, a harmonia e delicadeza de seus temperos, aromas e combinações... refeição leve, natural e saborosíssima! Embora eu não seja vegetariana, tenho notado que a cozinha naturalista e vegetariana tem me conquistado cada vez mais... e com tal qualidade não seria nem um pouco difícil de abdicar da carne nossa de todos os dias (e poupar algumas vidas).

Ah, detalhe, não se esqueça de provar o "tchai" na hora da saída! (fica despretensiosamente numa mesinha de canto, na passagem da escadaria).

quinta-feira, 24 de março de 2011

Guernica de Marcelo Ortiz

Apenas para relembrarmos desta singela animação, desenvolvida na VFS - Vancouver Film School - de autoria de um de nossos conterrâneos de Porto Alegre!

Aliás, serve para reprisar o tradicional histórico inovador das animações canadenses, ainda que movida por mentes criativas estrangeiras - inclusive, isto é o Canadá, o país com a cara do mundo.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Depressão, herdeira da bile negra?!

Os loucos, desajustados, os marginalizados, geralmente trazem desconforto ao homem mediano comum... pois incita e traz no corpo próprio todas as questões e marcas que a etiqueta e as normas de boa educação fazem questão de deixar restritas e resguardadas em cantos estratégicos, bem demarcadas, circunscritas (por exemplo, à uma pseudo-discussão acalorada de mostras de intelectualidade militante e engajada numa mesa de bar, entre amigos... apenas com fins de apreciação antropológica) e de preferência bem distantes da vista.

A loucura certamente é um desses tópicos que permeiam as conversas inteligentes de gente culta, bem informada e "in"... mas é claro, ela deve estar circunscrita e ser apreciada como um item de uma experiência etnográfica.... Mas o que dizer da depressão? Do pânico? Da bulimia? que entra pela porta dos fundos e não respeita a sofisticação intelectual? ou que nem dão o ar glamuroso de eventual "loucura criativa"?

Dizem que a depressão da atualidade é herdeira da melancolia do passado... não por similaridade ou origem bioquímica correlacionadas, mas antes como protesto social - uma espécie de sintoma e grito de revolta à espetacularização despersonalizante dos tempos pós-modernos.

Mas diferentemente da melancolia, que fora considerda em seus dois expoentes, como fraqueza moral (acedia - tão combatida nos tempos de São Tomás de Aquino) e também uma espécie de loucura-criativa-genial...

Melancolia I (ou Melencolia I), de Albrecht Dürer (renascentista alemão) - quadro carregado de simbologias acerca da melancolia: uma entidade para além dos limites do tangível, da loucura e da genialidade.
a depressão da atualidade ganha espaços e proporções que vão de uma assombração a ser combatida com bastante sucesso pelos diversos psicotrópicos... até a completa desresponsabilização e desvinculação do sujeito que a porta... isto é... atualmente, a depressão passou a ser uma entidade clínica, um rótulo (no espectro dos transtornos afetivos temos no CID-10: F32.X - Episódio depressivo, F33.X - Transtorno depressivo recorrente ou no DSM-IV: 296.X - Depressão Maior - que é claro, ajuda muito a nortear eixos de tratamento, abordagens, prognóstico, etc), um distúrbio neuroquímico... alguns especialistas a aproximam do diabetes (acerca da necessidade de controle medicamentoso constante e talvez para a vida toda...)... sem questionar os "gatilhos", motivações, entre outros...

Nesse turbilhão de sucessos psicofarmacólogicos... nota-se que a matéria também se rebela e pára de responder aos antidepressivos... diversos são os casos que, sem qualquer indício, mudança drástica, simplesmente, cessam, de uma hora para outra de funcionar... a matéria cinzenta do cérebro torna-se tão inerte quanto o humor previamente depressivo, impassível às estimulações externas...
De modo que, muitos dos afetados pela depressão deparam-se com a necessidade de encarar uma nova maratona de testes de medicações e doses que os coloquem novamente no estado de "dor minimamente viável", compatível com o nível de felicidade e produtividade mínima cobrada pela sociedade - diga-se de passagem, cada vez mais faminta por indivíduos felizes, produtivos, bonitos, jovens, etc, etc (coloque -se aqui, quaisquer adjetivos relacionados a um imaginário hiper-brilhoso e espetacular!!!).

Neste sentido, dar voz ao portador do sintoma (do grito) parece ser uma via interessante de iniciar uma escuta receptiva e quem sabe, arejar campo tão discutido (mas paradoxalmente tão silenciado - seja através do preconceito, da medicalização, e da morte do portador do ruído de horror, entre outros)...

Assim, a palavra pode ser uma via (ainda que supostamente antiquada - tão intensamente utilizada pelos melancólicos, através de suas provocativas poesias - vide Baudelaire, e sugerida pouco eficaz diante da parafernália química), uma forma de mitigar e discutir a morte... e não atuá-la (mesmo no Brasil, país considerado até hoje bastante agraciado por níveis invejáveis de felicidade e de espontaneidade, a despeito dos diversos problemas de ordem sócio-econômica - tem se sobressaído com o aumento dos índices de suícídio - principalmente nas grandes metrópoles).

Neste sentido, a palavra seria um antídoto para a morte inevitável... real, imaginária ou simbólica.

domingo, 6 de março de 2011

Depuração carnavalesca - vegetarianismo, naturalismo e ruínas paulistas

Indo na contramão desses dias de festividades dedicadas a Baco, deixo algumas sugestões naturalistas e vegetarianas... começando com o restaurante vegetariano Apfel, que conta com duas unidades, uma na região central (esquina da Dom José de Barros com a Itapetininga) e outra nos Jardins (num charmoso sobrado na Rua Bela Cintra). Por enquanto, tive o prazer de conhecer apenas a unidade Jardins.

O cardápio é democrático, já que oferece opções para ovo-lacto-vegetarianos e também para vegans. Receitas e seleção criada com esmero, nos convidam a provar os diversos sabores que aliam comida natural (dizem que toda a produção é da própria casa e baseada em agricultura familiar, mas como sou um pouco cética...) ao vegetarianismo e uma pitada do supostamente politicamente correto (acho que já deu pra perceber que essa coisa do politicamente correto é um pouco indigesto para mim).

De qualquer forma, a questão é deixar mais uma dica de um "point veggie" ou expandir as opções naturalistas.... na mesma linha do "post" do Nutrisom.

Aproveito o ensejo para deixar uma notinha também sobre um "come" caseiro e familiar... pequenino, realmente pequeno - pois consiste num pequeno corredor, que deixa espaço para umas 3 ou 4 mesinhas para duas pessoas e mais alguns banquinhos no corredor - o lugar pode passar despercebido como mais uma lanchonetinha dos arredores da Rua São Joaquim (que tem a tradição de "lanchonetes "rápidas para os estudantes da região - Anglo, Etapa, colégios, FMU, entre outros).

Logo na entrada, tem-se a sensação de tratar de uma lanchonete despretensiosa e simples como as outras da região, porém uma análise mais detida dos painéis com os pratos do dia, denunciam a orientação vegetariana... não só isso... é vegan (nada de derivados animais por ali).

O negócio conduzido num sistema familiar abriga receitas criativas e deliciosas, bem como certo apelo para a o não abate de animais, mas nada militante ou pedante, pelo contrário, está ali, à disposição de quem quiser aderir ao "movimento", nada de pregações para a salvação das nossas amigas bovinas ou em prol dos galináceos... Tive a oportunidade de provar uma deliciosa paella vegan, a seleção dos temperos (incluso o curry) associado aos ingredientes fazem deste prato uma explosão de sabores suave e apetitosa (deu fome só de lembrar!!!). A paella é o "PF" do sábado, cada dia, um prato diferente... fora as opções de salgados e bolinhos de origem oriental, mas todos na versão vegan.

A princípio, os mais gulosos ou então "bons de garfo" podem se sentir um pouco desconfortáveis imaginando que o pequeno prato não será suficiente para aplacar o "vazio interior", mas não se preocupem, é só você solicitar ao gentis sócios da casa para repetir... eles preencherão seu prato prontamente!!! Ah, detalhe, na saída, não se esqueça de anotar o seu nome no "caderno" - eles mantêm um registro de suas refeições num caderno... a idéia não é só obter o desconto de 100% quando você atingir o 11o. (ou seria 12o.?) prato... a idéia é contabilizar e de certa forma motivar, vendo, quantas vezes deixou-se de comer carne (cometer o   assassínio, rsrs) - que com os pratos deliciosos servidos por ali não é difícil abdicar-se da dita cuja. É isso aí, mais um pequeno paraíso idílico (gostei dessa palavra, agora ela será incorporada ao palavreado da temporada ;) ) perdido na cidade monstro!

E a essas alturas de todo o blabláblá vocês questionam, mas onde fica o lugar?

Confesso, esqueci de anotar o endereço completo do lugar, então, desde já, peço desculpas aos leitores da temporada... mas é fácil de achar: fica na Rua São Joaquim (imediações da Liberdade) - tomando-se o metrô como referência, fica na calçada do lado esquerdo, quase na esquina com a Rua Taguá... continuando a descida da Rua São Joaquim, passando a Taguá, teremos uma pequena galeria... ao lado dela, temos a pequena entrada do nosso alvo (fica praticamente de frente ao Colégio Campos Salles - imóvel tombado que foi incendiado décadas atrás por seus alunos - isto é, enquanto se aprecia a comida é possível visualizar o projeto de recuperação arquitetônica da tal escola, que cá entre nós vem com muito atraso, praticamente duas décadas!!!).

Um lugar qualquer (Somewhere) - Sofia Coppola



ATENÇÃO: ESTE TEXTO REVELA TRECHOS DO FILME

"Um lugar qualquer" (Somewhere - the movie), produção de alguém que carrega no nome, uma marca que poderia ofuscá-la, mas não é o que se vê: Sofia Coppola tem conduzido suas películas com destreza, sensibilidade e autenticidade... revelando sua marca e estilo próprio, vide o premiado "Encontros e desencontros" (Lost in Translation - 2003).

Mas cá entre nós, as películas de Sofia não são "arroz com feijão", pelo contrário, apresentam uma pitada exótica, muito pessoal e subjetiva... o que faz com que não seja unanimidade de "gostamento": não seria a primeira vez que compartilho opinões díspares em relação aos dos meus companheiros de filme... muitos saíram com a sensação de vazio, que "algo" faltou... seja um final "definitivo", uma sensação mais forte, um "coup de grâce" ou qualquer coisa que feche e complete o filme...

Mas para mim, na minha opinião leiga, diria que Sofia ganha, exatamente, por deixar em aberto, para que os "assistentes" (aqueles que assistem - no sentido de ver e no de auxiliar) complementem com seus próprios fragmentos subjetivos, lacunas tão humanas que permeiam suas obras.

Considerando que a proposta aqui não é apenas um apanhado de sinopses, pelo contrário, é um pout-pourri bastante pessoal e voltado egoísticamente para ser uma espécie de repositório de lembranças e impressões gerais - que hora varia de uma leitura rápida que, de fato, aproxima-se de sinopses vagabundas de folhetim... em outros momentos propõe se a pseudo-análises psico-enviesadas...

Bom, depois da "leve" digressão, voltemos ao filme... Sofia Coppola consegue, de forma magistral, transmitir e de certa forma incluir o público em sua película... na medida em que força no telespectador a sensação de vazio desesperador-apático que acomete o protagonista... Tal protagonista - Johnny Marco (Stephen Dorff)  teria uma vida de dar inveja a massas inteiras em nossa sociedade do espetáculo: um ator de sucesso, jovem, bonito (cabe ressaltar que há controvérsias, rsrs), no auge de sua carreira... que é assediado pelas mais belas e cobiçadas mulheres de seu círculo...

Apesar de ter "tudo", a apatia, o descolamento e o deslocamento em relação a toda aquela "curtição e glamour" é preponderante em sua vida... o que nos é revelado nos primeiros e (enfastiantes) minutos do filme... um carro esportivo (mais especificamente um porsche negro) correndo, revelando o seu potente motor (velocidade, potência, poder, predicados supostos de tal máquina) - dá voltas, repetidamente... entediadamente... a repetição monótona do que deveria ser "emoção pura" é um paradoxo que permeia todo o filme... dá e reforça a sensação do vazio penoso... (conduzidos sob uma trilha sonora excelente - outra característica que aprecio muito dos filmes de Sofia).

A vida mecânica de pseudo-prazeres, destinados a sufocar o tempo que não passa, é quebrada com a aparição quase súbita de sua filha, que embora jovem, já conhece a obscura face do vazio e da solidão que parece acometer a todos... Aos poucos, a surpresa que poderia sugerir uma perda de liberdade (impossibilidade das "transas" casuais - sugeridas de forma direta, mas conduzidas de forma suave - como tudo nas películas sofianas), na verdade, revela o oposto, a possibilidade de escolha... de uma vida repleta de movimento (suave e sutil, em contraposição ao motor potente do porsche ou das perfomances sexuais supostamente avassaladoras), autenticidade e momentos de alegria simples...

A magia de cada pequeno momento é revelado de forma poética e quase subliminar... Johnny Marco sorri, se diverte, pode ser espontâneo e de fato, ser alguém.... Tenta-se adiar e curtir o máximo tempo possível do momento idílico que esse encontro inesperado trouxe... porém, por motivos desconhecidos, a filha deverá partir para uma espécie de colônia de férias, pois a mãe "precisa de um tempo"... e o pai... bem... "nunca está presente" (nas palavras da filha). Assim, os dois se despedem abaixo dos motores ruidosos de um helicóptero, que impedem que a menina ouça o quanto o pai está arrependido, mas nada muda... cada um segue o seu rumo...

Assim a história é conduzida e entregue ao "assistente" para que ele o complete a partir de uma lacuna primordial que é deixada na cena final... Mais uma vez, Sofia surpreende e nos dá espaço  para uma leitura da pós-modernidade agitada, veloz, tecnológica, colorida, sonora, mas vazia e assoladora internamente... não há exageros, pais que mal-tratam filhos, atores e atrizes drogados e inconseqüentes... não, não se trata de criticar a futilidade dos "ricos e famosos" ou coisa do gênero... pelo menos, não foi essa a minha leitura... creio que a filme toca em algo mais fundamental e compartilhado por todos os humanos... independente de sua classe social ou profissão.

Creio tratar-se, antes de mais nada, do questionamento existencial, do isolamento, da solidão, da perda de parâmetros em nossa contemporaneidade... não sei ao certo, mas esse filme remeteu-me ao livro "O tempo e o cão - a atualidade das depressões" (Maria Rita Kehl), que trata de maneira erudita, poética e sensível, das depressões - ao mesmo tempo como forma de subjetivação e sintoma social (lugar anteriormente ocupado pela melancolia dos romanticos, pelas histerias dos tempos vitorianos...)...